"...Zaqueu
se levantou e disse ao Senhor: Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus
bens; e se nalguma cousa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes
mais" (Lc 19.8)
Freqüentemente
muitos se sentem "perdidos" no mundo, sem saber muito bem quem são,
para que nasceram, o que Deus espera deles. Isso se deve a um não conhecimento
de si mesmos, uma alienação existencial que os impede de tomar uma posição,
atitude e decidir sobre a sua vida. O conhecer-se a si mesmo, desde a
Antiguidade, é uma busca essencial para uma libertação pessoal.
Porém, como
cristãos, entendemos que o conhecimento de nós mesmos, se não passa por Cristo,
está eivado de distorções, pois uma auto-análise nunca é isenta e imparcial -
ou há uma rejeição do ser, julgando-se um fracassado, um incorrigível, um
incapaz, o que normalmente leva a um conformismo e acomodação com o seu
"destino", ou, por outro lado, podemos incorrer no erro de
supervalorizar nosso eu. Julgamos então, mais do que realmente somos. Daí advém
o orgulho, o preconceito, a vaidade, a fantasia exagerada de si mesmo. Faz-se
necessário um "conhece-te a ti mesmo" que passa por Cristo.
Ele vai
dizer quem somos, vai mostrar nossas qualidades, mas também nossas fraquezas,
vai revelar nossas mazelas, nossos medos interiores, nossas incapacidades,
nossos limites, vai mostrar o porquê dos nossos impedimentos e recalques. Não
adianta apresentar a Deus um "falso eu", pois Ele nos conhece muito
bem e sabe quem somos. Por isso mesmo, Jesus não olha para o "rótulo"
de ninguém. Seja rótulo de "santo" ou de "prostituta"...
Jesus é o único capaz de olhar além das aparências. E, ao nos confrontar com o
que de fato somos, nos leva a uma "crise" entre o que "eu pensava
que era" e o que Ele está agora me revelando que sou. Bendita crise.
A
origem da palavra crise vem do grego "krísis" e significa purificar,
limpar; daí existir no português "crisol" e "acrisolar". A
crise age como um crisol, purifica. Toda situação de crise, para ser superada,
exige decisão. Passamos por diversas situações de crise na vida: a crise do
nascimento, a crise da puberdade, a crise da meia-idade... e a maior de todas
as crises - aquela que Jesus produz no homem - a crise da conversão.
Podemos ver
claramente essa "crise" acontecer em uma das mais fantásticas
conversões do Novo Testamento, a de Zaqueu. Um homem rico, mal visto por
todos, cobrador de impostos, possivelmente impiedoso (alguém já viu cobrador
piedoso?), sem amigos verdadeiros, e com um "rótulo" intragável para
a maioria das pessoas. Mas havia algo lá dentro dele que só Jesus conhecia e
podia libertar. Jesus não apenas sabia o seu nome ao olhar para o alto da
árvore, mas Jesus conhecia o seu potencial do que ele poderia "vir a
ser". Se perguntássemos a Zaqueu até aquele dia quem ele era, a resposta
seria - "eu sou um rico miserável, não sou feliz, sou um solitário,
ninguém me ama e eu não amo ninguém".
Na verdade há o que os "outros
pensam" de nós; há o que "nós pensamos" e há o que Jesus diz quem
eu sou. Somente diante de Jesus Cristo eu sou perfeitamente conhecido. Ele me
revela o que sou na realidade.... e mais: revela aquilo que Ele sonha que
sejamos. Somos o sonho de Deus. Havia algo dentro de Zaqueu que precisava ser
curado. Conversão é cura. Cura das mazelas, cura das feridas, cura do passado,
cura da totalidade do ser. Zaqueu jamais poderia dizer o que disse ("dou
metade dos meus bens aos pobres e restituo quatro vezes mais a quem
defraudei" ) se não tivesse passado por uma profunda conversão diante de
uma mesa cheia de convidados. Não sabemos o que Cristo disse pra ele, mas com
certeza Zaqueu foi confrontado, entrou em "crise" e tomou uma
decisão. Chama a atenção a alegria e o desprendimento demonstrado.
Quando
sabemos o que somos em Cristo, não há espaço para o medo, para a reserva, para
as meias palavras. Quem sabe o que é não tem nada a esconder. Esse encontro do
meu ser com Cristo vai me ajudar na caminhada em busca de minha liberdade
pessoal e quebrar as prisões interiores. É a possibilidade de mudar o
comportamento.... não mais nos rejeitarmos... não mais nos conformarmos e
acomodarmos... não mais fugir da realidade. Um dia Deus sonhou uma vida para
nós. E essa vida só pode se concretizar quando nos conhecemos em Cristo.
p/: Daniel Rocha, pastor da Igreja
Metodista em Itaberaba, S.Paulo e Psicólogo